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No outro jogo não há Éder que nos salve dos erros  

A vitória da Selecção deu algum conforto à nossa frágil auto-estima colectiva - e vai ser aproveitada pela política para espalhar um pouco mais de creme hidratante, com essência de união nacional, sobre o debate público.

Esta bolha meio autista em que estamos a viver - uma pausa depois dos últimos anos de ferro e fogo - contrasta com o clima que se começa a formar lá fora sobre Portugal. Para usar uma linguagem apropriada à vibração do momento: estamos a tirar os olhos da bola e podemos pagar caro por isso.

 

O campeão europeu de futebol é um pequeno país periférico da Zona Euro que saiu de um resgate financeiro com uma montanha de dívida às costas, um sistema bancário minado por imparidades e uma economia com baixo potencial de crescimento. Estes problemas têm sido repetidos a ponto de terem sido banalizados, mas nem por isso deixam de formar a dura realidade. Para "o mercado" - cujos decisores se limitam a ler títulos e primeiras linhas das notícias sobre Portugal -, este é um país que encaixa facilmente numa má narrativa.

 

Seria difícil para qualquer governo gerir esta conjuntura. Um Governo minoritário, apoiado pela esquerda dura eurocéptica, tem à partida ainda mais dificuldade. Esta é uma observação factual. Se esse Governo precisar de governar mais para a circunstância interna - segurando o apoio dos seus parceiros - em detrimento da externa, a dificuldade aumenta. Se, de caminho, o Banco de Portugal queimar inesperadamente e de forma selectiva investidores estrangeiros do Novo Banco, a dificuldade sobe mais. 

 

Em cima destas fragilidades internas há o que se passa lá fora. É difícil prever se, no curto prazo, a reacção europeia ao Brexit será conveniente à linha política seguida em Lisboa (não parece). Certa só mesmo a incerteza. Num ambiente de percepções voláteis como é o mercado financeiro, uma maior aversão ao risco é sempre uma má notícia para quem, como Portugal, está na primeira linha das ondas dos choques económicos e financeiros.

 

Até aqui todos estes factores estão a ser mitigados pela anestesia que o Banco Central Europeu está a induzir numa Zona Euro em desinflação. A dez anos, Portugal paga pouco mais de 3% de juro. Mais: há uma "almofada financeira", em tempos vilipendiada, que hoje dá jeito para navegar num mercado eventualmente picado. Mas mesmo aqui há riscos. Em primeiro lugar abre-se a dúvida sobre a duração, no terreno, do programa do BCE para Portugal. Algumas instituições (FMI, Bruegel) estimam que até ao final do ano o BCE deixe de poder de comprar títulos do Tesouro português (por violar os limites impostos no programa). Depois, os juros em 3% escondem uma diferenciação clara já feita pelo mercado entre Portugal e o restante "Sul", visível no aumento comparativo dos "spreads" de Portugal face a Espanha e Itália. Esta diferenciação custa muito dinheiro aos contribuintes - e é um sinal preocupante para o futuro pós-programa do BCE.

 

É olhando para este cenário que a Comissão se empertiga com Portugal, que há bancos estrangeiros que avisam para o risco de resgate, que há recados assassinos de um ministro alemão. Já sabemos que muitos destes agentes seguem as suas agendas - este filme não é, nem nunca foi, o Bambi. Mas isso não deve servir para esconder a necessidade de maior prudência por parte da política portuguesa - nem para eleger infantilmente toda e qualquer pressão de Bruxelas como "inimiga" do "interesse nacional". Há que pôr os olhos na bola e ler todo o campo. Com mais ou menos auto-estima, neste jogo seremos sempre "underdogs" - e aqui não há nenhum Éder mágico.

 

Jornalista da revista Sábado

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