Roménia, Eslováquia e companhia: porque se cala o PS?

Para o PS, o Estado de Direito vale mais em Budapeste e em Varsóvia do que em Bucareste ou em Bratislava.

1. Já aqui escrevi há muito, já aqui noticiei várias vezes e já aqui arrazoei em diferentes contextos: a ameaça das correntes adeptas da chamada “democracia iliberal” não se circunscreve aos casos dos sempre invocados governos húngaro e polaco. Efectivamente, as ameaças aos princípios da separação dos poderes, da independência judicial e da liberdade de imprensa e de expressão estão igualmente presentes e patentes em países como a Eslováquia e a Roménia, bem como, por razões diversas, na República Checa ou em Malta. E, no entanto, por mais que seja manifesta a degradação daqueles princípios basilares na Roménia e na Eslováquia, altos responsáveis políticos, a generalidade da opinião publicada e quase toda a comunicação social ergue um muro de silêncio sobre a matéria.

Na imprensa portuguesa, o duplo padrão é evidente. Fala-se abundantemente da Hungria e um pouco menos da Polónia, mas mantém-se uma total cortina de fumo sobre a Roménia e a Eslováquia. Pode dar-se a notícia de uma manifestação em Bucareste e do assassinato de um jornalista e da sua companheira em Bratislava, mas nada é dito sobre a ostensiva e progressiva deterioração das democracias romena e eslovaca. Fazem-se editoriais terminantes sobre Viktor Orbán e crónicas fulminantes sobre o gémeo Kaczinsky, mas omite-se muito conveniente e pudicamente o nome de Liviu Dragnea ou o de Robert Fico. O que têm em comum os governos eslovaco, romeno e até o maltês? São governos socialistas, em que pontificam partidos membros do Partido Socialista Europeu, a que pertence o PS português. Nunca vi um artigo, uma crónica ou um editorial pedir ao PS e ao seu secretário-geral, António Costa, que tome uma posição sobre os preocupantes desenvolvimentos políticos nestes dois países. Tirando Ana Gomes – com uma coragem e um desassombro de enaltecer, em especial, no caso maltês –, o PS, na Europa como em Portugal, cala e silencia. Ninguém diz nada, ninguém pergunta nada, ninguém dá por nada. Para grande parte da opinião publicada e seguramente para o PS, o Estado de Direito vale mais em Budapeste e em Varsóvia do que em Bucareste ou em Bratislava. É absolutamente incompreensível e inaceitável este duplo padrão que, de resto, mostra que o cultivo daqueles valores fundamentais pode variar em função da maior ou menor proximidade ideológica dos governos em questão.

2. Ainda recentemente, o actual comissário eslovaco, Maros Sefcovic, em funções desde 2009 e sempre nomeado pelo Governo do antigo primeiro-ministro Fico, apresentou a sua candidatura às primárias do Partido Socialista Europeu para escolha do candidato a presidente da Comissão Europeia. Pois bem, o PS português saudou a candidatura de alguém que foi nomeado por um primeiro-ministro que teve de se demitir por gravíssimas suspeitas de envolvimento do seu Governo na morte de um jornalista. Um jornalista que investigava um caso gravíssimo de corrupção com estreitas conexões com o governo eslovaco! Como é que o PS não se distancia imediatamente dessa candidatura? Porque será que nenhum jornalista português pergunta aos dirigentes do PS como podem condescender com uma situação deste calibre? Para quando uma declaração oficial ou, ao menos, audível do PS a distanciar-se da perigosa evolução da situação política eslovaca? É bom que se tenha noção que, apesar de se ter demitido da chefia do Governo, Robert Fico continua a ser o homem forte – o peso pesado – da política eslovaca, sendo o Governo uma mera extensão do seu califado pessoal. O partido e o Governo não passam de marionetas nas suas mãos. Nada de diferente, portanto, da situação polaca em que Kaczinski, fora do Governo e da Presidência da República, é o todo-poderoso chefe da maioria. Só esta situação – aliás, também presente na política romena – já revela o grau de anomalia democrática que por ali se vive. Já muitas vezes o disse: a degradação dos pilares liberais da democracia não é uma marca exclusiva da Hungria ou da Polónia, mas estende-se aos quatro países de Visegrado e, em geral, aos antigos países do leste. Não é um problema dos conservadores (em maioria na Polónia) nem do PPE (na Hungria), mas também do PSE (a governar a Roménia e a Eslováquia) e dos liberais (a governar em Praga). E enquanto se pensar que se trata de uma singularidade de Orbán e de um problema que o PPE pode resolver, não se entendeu nada do que está a passar-se e não se percebeu realmente o alcance dos tais riscos.

3. A questão na Roménia, por outro lado, atingiu patamares de gravidade inauditos, porventura a ultrapassar os preocupantes casos polaco e húngaro. Aí está em causa a tentativa sistemática e repetida de controlo do poder judicial e de amnistia de todos os crimes de corrupção política. Também aqui o partido membro dos socialistas europeus, que detém as rédeas do Governo, é comandado de facto por Liviu Dragnea. Dragnea não pode ser primeiro-ministro, por ter sido condenado por fraudes eleitorais no passado; daí a insistência em promover amnistias. O caso é de tal modo grave que, apesar de toda a resistência do Partido Socialista Europeu, o Parlamento Europeu promove amanhã um debate sobre a situação romena. Esta cortina de opacidade e cumplicidade só foi rompida porque os romenos não pararam de se manifestar nas ruas e porque o Presidente Iohannis, pertencente ao PPE, tem travado o mais possível esta tentacular deriva autoritária. Veremos como se posicionam os deputados do grupo socialista e, em particular, os portugueses, a quem nunca se ouviu uma palavra sobre a matéria.

P.S.: Para memória futura. A gravidade do que se descobriu sobre Tancos confirma a insustentabilidade da manutenção em funções do chefe do Estado-Maior do Exército. A inércia do Governo, que anda a reboque das notícias, contamina o ministro da Defesa.

SIM e SIM

SIM. Administração da Fundação de Serralves. Enquanto alguns ensaiam a vitimização ou arriscam a interferência externa, a administração e a presidente preservam o essencial com sensatez e discrição.

SIM. PSD e acesso ao Superior. As propostas para acesso ao Ensino Superior promovem a mobilidade social e a equidade territorial, como se vê na criação da rede de residências e no Erasmus para o interior.

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