Esta semana, assinalámos duas datas determinantes para a realidade que vivemos hoje: os 100 anos do Partido Comunista Português, a quem devemos a luta pela liberdade, e um ano do vírus em Portugal, a quem devemos a reclusão. Passado um ano, a pessoa que éramos antes da pandemia parece distante. As fotografias da altura transportam-nos para vidas remotas, mais leves e sorridentes. Mas há esperança. Apesar de tudo, sabemos hoje muito mais sobre o vírus e sobre nós próprios. Portugal já vacinou um milhão de pessoas e vale a pena fazer um balanço. Ao estilo do eterno Baptista-Bastos, perguntamos: onde é que tu estavas no 3 de março de 2020?
A 3 de março de 2020, éramos jovens. Estudantes ou em início de profissão, fomos apanhados pela chegada a Portugal da doença que vinha congelar os nossos planos. Solidários com os mais frágeis, fechámo-nos em casa longe de tudo: amigos, amores, escola, trabalho. Mas, acima de tudo, fechámo-nos numa cápsula de medo e incerteza: o previsível desastre económico e o papão do desemprego enegreceram o futuro – já, de si, incerto e precário. Subitamente, todos os planos, viagens, carreiras, relações, foram suspensos, sem fim à vista. Apesar do pânico, nunca hesitámos em assumir o sacrifício em prol da comunidade.
A 3 de março de 2020, éramos pais. Éramos pessoas com bebés ao colo, crianças pela mão ou adolescentes no armário. O medo de um vírus desconhecido recolheu-nos como mães-leoa e pais-galinha, já com a preocupante sensação de que as semanas poderiam vir a ser meses. O espetro do fecho indeterminado das escolas e creches fez-nos temer pela saúde mental das nossas crias. Como vai o bebé dar os primeiros passos num mundo fechado, isolado de todos? Como vai crescer sem fazer amigos, ou andar ao colo das tias? Como vamos aguentar todos fechados num T2?
A 3 de março de 2020 – pais ou não – éramos profissionais enviados para casa com a sensação de que o emprego já era. Repetida ao expoente da loucura, à moda de Manel Cruz, a expressão “crise sem precedentes” emudecia-nos, recordando-nos da última “crise sem precedentes”, apenas 9 anos antes. Nunca chegámos a acreditar verdadeiramente no “vai ficar tudo bem”, contudo cantámos e aplaudimos à janela. Uns a trabalhar, outros em casa, protegemos os filhos e animámos os pais, enviando para segundo plano os temores internos.
A 3 de março de 2020, éramos avós. A chegada de um organismo invisível e mortal ao país tomou conta dos noticiários. Com pouca informação, tantas vezes contraditória, e a aflição pela segurança dos filhos e netos, foi difícil manter a calma. Rapidamente se tornou claro que a Covid-19 atacava os mais velhos com especial força e essa verdade instalou um clima delicado: por um lado, a sociedade moveu-se em defesa dos mais frágeis, escancarando a sua humanidade; por outro, disseminou-se um discurso paternalista e discriminatório em relação aos mais velhos, que os culpava pelo confinamento e policiava as suas liberdades. As notícias aterrorizadoras dos lares em Itália e em Espanha anunciavam o pior. Quanto tempo vamos viver assim, longe dos nossos queridos, a olhar para o mundo à janela? A 3 de março de 2020, trememos com a ideia de que o isolamento poderia levar demasiado tempo, por sentirmos que já não nos resta assim tanto. Na nossa idade, um ano de vida é um bem precioso.
Um ano mais tarde, a realidade evoluiu. Infelizmente, continuamos a braços com uma crise tremenda. Ao fim de mais de 800 mil casos diagnosticados e mais de 16 mil vidas perdidas, a economia está em colapso, tal como a saúde mental. A precariedade infetou a vida de milhões de portugueses e de milhares de milhões de seres humanos em todo o mundo. A 3 de março de 2021, os jovens estão ansiosos, os pais estão exaustos e os avós estão tristes. Ainda assim, vemos uma saída.
Sabemos muito mais e há, finalmente, uma luzinha. Ao fim de um ano, a cooperação política, a mobilização social e o progresso científico superaram-se. É cedo para balanços finais, mas vimos, no meio de tantas falhas, fenómenos positivos inéditos. O desafio político ainda mal começou e a recuperação da crise ditará o futuro da História. A pouco e pouco, os jovens voltam a fazer planos, os pais criaram superpoderes e os avós estão a ser vacinados. O futuro é duro de roer, mas estamos prontos. Nós – jovens, pais e avós – nunca pensámos vir a aguentar algo assim, durante tanto tempo. Nós – jovens, pais e avós – estamos exaustos, mas prontos para a recuperação. Para relançar economia e reativar as batalhas do século: das alterações climáticas ao combate das desigualdades. Nós – jovens, pais e avós – estamos prontos para retomar o caminho e reconstruir, passo a passo, um mundo mais justo, mais humano e mais igual.
Em março de 2021, nós – jovens, pais e avós – estamos prontos para regressar à vida. Temos ainda grandes desafios pela frente, mas, em março de 2021, é preciso lembrar que já estivemos bastante mais longe.